sábado, 2 de julho de 2011

O que deseja uma mulher?

Ouvi um caso em que uma analista que tratava uma mulher de 35 anos, bem sucedida na carreira, que enfrentava uma crise financeira e estava a beira de uma crise profunda. Ela tentava sair dessa situação, mas não sabia bem por onde.
Eis que em uma das sessões, ela se vira para a paciente e questiona se ela não pensava em casar ter filhos, ao que a paciente responde de forma agressiva, chamando-a de preconceituosa e afirmando que o desejo da mulher não era somente de casar e ter filhos. A analista, então, pergunta: então, o que deseja uma mulher? A paciente encerra a sessão concordando que talvez o casamento e a maternidade poderiam ser o que uma mulher deseja.
Qual a dimensão disso? Qual impacto dessa afirmação na vida das mulheres? Estamos reduzidas a isso? Será que depois de casarmos e termos filhos não há mais nada? não há desejo?
Tudo que li sobre desejo na psicanálise me leva a crer que ele só aparece quando se reconhece uma falta. Todo mundo tem desejo, mas deixá-lo emergir não é tão simples assim... É preciso assumir que não somos perfeitos/as. Ora, se é isso, eu não posso me conformar com o fato de estar casada com filhos, porque, se for assim, depois de realizar esse desejo (quase que instintual),o resto da minha vida não terá mais sentido.
Não quero dizer com isso que desejar essas coisas é diminuto, mas sim que uma mulher pode querer mais, inclusive não querer nada disso. A questão posta pela analista pode parecer, num primeiro momento, querer legitimar o lugar das mulheres como esposas e mães, mas pra mim vai muito mais além...
Abre a possibilidade de questionar se é esse lugar que uma mulher quer estar. Bem, eu conheço uma porção delas que não pensam dessa forma. Se o que é esperado de uma mulher, na nossa sociedade, é necessariamente o único destino e a única felicidade garantida que ela terá, o que pensar dessas tantas outras que não querem essa vida, ou que, simplesmente, tem dúvidas sobre esse "destino"?
É evidente que o caminho mais fácil seria não pensar sobre isso e corresponder a demanda social, como também, uma vez não tendo se casado ou com filhos, ser fácil responder ao sofrimento causado pela angústia de uma mulher: bastaria dizer a ela para se entregar aos laços matrimoniais e se responsabilizar com a reprodução da espécie.
Nada romântico colocar nesses termos, mas acredito que faz parte da escolha individual compreender os fatos e significá-los de forma mais abrangente. Se alguém pode pensar que se unir a um homem e fazer um ritual que entenda essa união como sagrada (poética para alguns) e dessa união surgir uma criança que vai simbolizar todo amor que se há na vida, eu também posso pensar de outra forma. Posso pensar que casamento e constituir familia é uma norma burguesa que serve para sustentar o capitalismo.
A questão não é essa. Não estou preocupada em definir o lugar do casamento e da maternidade na vida das mulheres. Estou apenas refletindo sobre se é possivel afirmar que o desejo da mulher é tão simples de se descrever. Acredito que não. Me convenci de que se manter numa posição desejante é essencial para se viver. Isso significa afirmar que na minha vida, tenho outras possibilidades
O sentimento de incompletude é tão angustiante quanto excitante do ponto de vista de correr atrás para obter o seu contrário (mesmo quando haja dúvidas quanto ao que nos completa). Poder se deparar com um demanda realizada e perceber que não é o bastante nos leva a acreditar que vale a pena estar nesse mundo lutando por conquistas, mesmo que elas demorem para acontecer ou que tenha que se percorrer um caminha árduo. Isso que significa desejar.
Acho que no fundo o que eu tento dizer aqui é que desejar a liberdade de desejar é condição primordial para nós mulheres, pois pra nós isso ainda é uma luta que travamos todos os dias. Ninguém deveria nos dizer o que desejar, mas sim que desejemos! Não importa qual seja o desejo, não importa se não temos certeza de qual seria esse desejo...

3 comentários:

  1. boa questão amiga! me fez lembrar a personagem de Juliane Moore em "As Horas" - uma mulher levada, sem qualquer quetionamento, ao lugar de esposa e mãe por um marido herói de guerra que crê tê-la salvado de um vida em que ela não tivesse isso. Claro, são os anos 50, e as mulheres americanas de fato não tinham muitos lugares sociais onde corporificar seu(s) desejo(s)... hoje em dia, talvez essa personagem encontraria outra opção que não a de abandonar seus filhos para poder ser livre (sim, a situação do filme é extrema!). hoje em dia ser mãe é mais um lugar pra mulher - dentre tantos outros. diferente de antigamente, acho que não reduz a vida das mulheres a "isso e nada mais", mas amplia os horizontes femininos... até consideraria que ser mãe (pra quem quer, obviamente)é dádiva, e dádiva que é exclusiva às mulheres - feministas, orgulhem-se!
    estou com o que vc diz no final - o importante é seguir desejando - e para isso cabe unicamente a nós, mulheres, não tamponar nossas faltas (oh! psicanálise!) com homens, bebês, dinheiro, ou seja lá o que for... sigamos querendo mais!

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  2. Um texto brilhante, irmã! Sensacional reflexão, bons caminhos propostos para a conclusão.

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  3. "A questão não é essa. Não estou preocupada em definir o lugar do casamento e da maternidade na vida das mulheres."
    Concordo. Nesse mundinho (meio meia boca, que eu gosto tanto, mesmo assim) há homens e homens, mulheres e mulheres, e desejos e desejos.
    Não estou inspirada nem articulada, como você. mas queria dizer: escreva, escreva mais! Que eu adoro te ler.
    (Vou continuar pensando no texto para a próxima conversa de bar, se calhar!)
    Te amo.

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